Um caso de deportação de brasileiros em Portugal voltou a levantar debates sobre o endurecimento das políticas migratórias no país.
No sábado (25/10), a Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF), nova polícia para imigrantes, deportou uma mãe e dois filhos menores para o Brasil, após quatro dias detidos no Aeroporto de Lisboa.
Enquanto isso, o marido e pai das crianças, Gustavo Corrêa Morais, 27 anos, recebeu autorização para permanecer em Portugal, onde começaria a trabalhar em uma construtora no início de novembro.
“Foi uma tortura”: o drama da família brasileira
Gustavo conta que a justificativa dada pela UNEF para barrar a entrada da esposa e dos filhos foi a “falta de comprovação de meios de subsistência”.
A família desembarcou com 3,5 mil euros em espécie e ficaria hospedada temporariamente na casa de um amigo em Sesimbra (Setúbal), até encontrar um imóvel para alugar. O brasileiro tem visto de trabalho válido e contrato assinado, com salário mensal de 1.400 euros.
“Estou vivendo uma tortura. Nunca pensei que fosse passar por isso em Portugal. Fiz tudo certo, pedi o visto, consegui emprego antes de viajar. Meu filho mais velho sonhava em jogar futebol aqui e conhecer o Cristiano Ronaldo. Hoje, ele só chora”, desabafou Gustavo ao Jornal Público.
Apoio consular e ações judiciais
O Consulado-Geral do Brasil em Lisboa acompanha o caso desde o início. Alessandro Candeas, cônsul-geral, confirmou que a família receberá apoio jurídico e processual completo, conforme previsto na Convenção de Viena sobre Relações Consulares.
“Estamos ajudando completamente a família, inclusive dando orientações legais, processuais e administrativas”, afirmou Candeas.
O advogado de Gustavo prepara três petições e um habeas corpus definitivo pedindo que a família possa retornar e permanecer unida em Portugal até o atendimento agendado pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).
Segundo Gustavo, a UNEF não esperou a decisão judicial liminar sobre o habeas corpus apresentado, deportando mãe e filhos antes que o juiz se pronunciasse.
O relato da mãe: “fomos humilhados”
Em áudio enviado ao Jornal Público, a mãe, já de volta ao Brasil, contou que viveu “dias de desespero” e que os filhos choraram o tempo todo durante o voo.
“Nunca havia passado por tanta humilhação. As crianças choraram o tempo inteiro porque nem puderam se despedir do pai. Foi uma judiação”, lamentou.
Ela relatou ainda que não conseguiu levar os documentos pessoais da família, que ficaram com Gustavo em Portugal, e que as malas das crianças ainda não chegaram ao Brasil.
Nova lei e clima político em Portugal
A nova Lei de Estrangeiros, em vigor desde 23 de outubro, um dia após a chegada da família ao país, endureceu as regras migratórias.
Agora, o reagrupamento familiar imediato é garantido apenas para filhos menores de idade, enquanto o cônjuge precisa comprovar 15 meses de residência legal e 18 meses de convivência anterior no país de origem.
A legislação faz parte de uma política migratória mais restritiva, apoiada por partidos da direita e extrema-direita, como o Chega, que tem explorado o discurso anti-imigração.
Apesar de tudo, brasileiros são maioria entre imigrantes
Os brasileiros continuam a ser a maior comunidade estrangeira em Portugal, com quase 500 mil residentes legais.
Ao todo, o país abriga 1,5 milhão de imigrantes documentados, que já respondem por cerca de 17,5% das receitas da Segurança Social, segundo dados da AIMA.
Especialistas alertam que episódios como o de Gustavo expõem o risco de arbitrariedades na aplicação das novas normas, especialmente quando famílias são separadas durante os procedimentos migratórios.
O que vem a seguir
Enquanto aguarda a tramitação dos processos judiciais, Gustavo pretende manter o emprego e economizar recursos para tentar reunir a família.
“Vou continuar aqui, trabalhando e juntando dinheiro para trazê-los de volta. Mas, sinceramente, não sei até quando vou aguentar longe deles”, disse, emocionado.