A crise habitacional em Portugal não dá trégua e os mais afetados continuam sendo os imigrantes e as famílias de classe média.
Em Lisboa e no Porto, os aluguéis estão entre os mais caros da Europa, comparáveis aos de Paris, mas os salários médios portugueses são menos da metade dos franceses ou alemães.
Segundo a especialista Sylvia Bozzo, do portal Imovirtual, o cenário força muitas pessoas a dividir casas com desconhecidos ou se mudar para regiões periféricas em busca de valores mais acessíveis.
Ela recomenda “cautela e planejamento financeiro” para quem chega ao país, especialmente imigrantes que ainda estão em processo de adaptação.
“Lisboa e Porto estão entre os mercados mais caros da Europa. É essencial conhecer os preços médios por região e conferir sempre as condições contratuais antes de assinar qualquer contrato”, afirma Sylvia.
Governo tenta aliviar a pressão com medidas de “renda moderada”
Em resposta à crise, o Governo português lançou o plano “Construir Portugal”, com foco em estimular o mercado de arrendamento acessível e reduzir o peso do aluguel no orçamento das famílias.
Entre as principais medidas, estão benefícios fiscais tanto para inquilinos quanto para proprietários que alugarem imóveis dentro da faixa chamada de “renda moderada”, que vai de 400 a 2.300 euros mensais.
- Inquilinos poderão deduzir 15% do valor pago em aluguel no IRS (equivalente ao Imposto de Renda), com economia de até 900 euros em 2026 e 1.000 euros em 2027.
- Proprietários terão redução do IRS de 25% para 10% sobre rendimentos de aluguel e isenção no adicional do IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis).
Exemplo prático:
Quem paga 500 euros por mês (6.000 euros anuais) poderá abater 15% no IRS, o que equivale exatamente aos 900 euros de desconto máximo previstos para 2026.
Efeitos esperados e desafios
Para a especialista Sylvia Bozzo, as medidas podem representar um alívio para parte das famílias, especialmente da classe média, mas o impacto real dependerá da fiscalização e da transparência na aplicação.
“Os subsídios aos proprietários precisam chegar de fato aos inquilinos. Caso contrário, a renda moderada beneficiará apenas quem já paga mais caro. Se bem implementadas, as medidas podem trazer estabilidade e mais segurança no mercado”, explica.
Ela acrescenta que, para os donos de imóveis, a redução de impostos pode incentivar a formalização de contratos de aluguel, o que também aumenta a arrecadação pública.
Mas alerta: “É preciso que os senhorios repassem essa economia aos arrendatários. O governo ainda deve pensar em mecanismos de controle e incentivo, para evitar abusos.”
Escassez de habitação e desigualdade entre oferta e procura
Portugal enfrenta um desequilíbrio estrutural entre oferta e procura de imóveis.
De acordo com Sylvia Bozzo, o problema vem sendo agravado por uma combinação de fatores:
- Pouca construção nova, especialmente de habitação acessível;
- Demora nos licenciamentos municipais;
- Impacto do arrendamento turístico (Airbnb e similares);
- Crescimento da demanda estrangeira — tanto de investidores quanto de trabalhadores remotos.
“A procura aumentou, mas a oferta não acompanhou. Isso gera pressão sobre os preços e torna o mercado insustentável para quem vive apenas do salário local”, afirma Sylvia.
Dicas para imigrantes e novos residentes
Para quem está chegando a Portugal, a recomendação é planejar antes de assinar contrato e manter reservas financeiras suficientes para os primeiros meses.
O que observar:
- Localização e transporte público: regiões periféricas, como Almada, Loures e Vila Nova de Gaia oferecem preços mais baixos e boa qualidade de vida.
- Contrato claro e formalizado: verifique duração, caução, fiador e condições de rescisão.
- Documentos em dia: tenha autorização de residência ou comprovante de regularização antes de fechar negócio.
- Planejamento financeiro: reserve pelo menos três meses de aluguel e despesas iniciais.
“Viver em áreas centrais pode ser inviável para quem tem rendimentos mais baixos. O ideal é equilibrar custo e qualidade de vida”, destaca Sylvia, que vive em Almada desde 2017.
Comparações com o Brasil e outras economias
Enquanto o Brasil conta com programas de habitação popular, como o Minha Casa, Minha Vida, Portugal aposta em incentivos fiscais e subsídios de apoio à renda, voltados para famílias com menor poder aquisitivo. Mas, segundo Sylvia, o impacto ainda é limitado.
“O desafio é estrutural. Falta habitação acessível e políticas consistentes de longo prazo. O governo precisa incentivar a construção de novos imóveis a preços controlados e agilizar processos de licenciamento”, explica.
O salário mínimo português, 870 euros pagos em 14 meses ou 1.015 em 12 meses,é menos da metade do que é pago na Holanda (2.193 euros) ou Alemanha (2.161 euros), segundo a Eurostat.
Esse descompasso ajuda a entender por que a habitação em Lisboa ou Porto é cada vez mais inacessível para quem vive apenas de rendimentos locais.
Um levantamento feito por especialistas mostra que, no bairro do Chiado (Lisboa), um apartamento de um quarto pode custar 4.000 euros por mês, praticamente o mesmo valor de um imóvel semelhante em Paris.