Luxemburgo, conhecido por seu sistema multilíngue e pela convivência de três idiomas oficiais (luxemburguês, francês e alemão), vive um novo debate sobre o papel da língua francesa na sociedade.
De acordo com a ASTI (Association de Soutien aux Travailleurs Immigrés), o francês, historicamente uma das principais línguas de integração, vem perdendo espaço nas esferas pública e privada.
O alerta foi divulgado em um estudo divulgado pela associação, que durante um ano analisou o uso das línguas no país. A ASTI concluiu que há um “recuo preocupante” do francês, especialmente em áreas como a educação, a comunicação institucional e os serviços públicos.
Quase um terço da população usa o francês diariamente
Segundo o relatório, cerca de 310 mil pessoas, entre residentes e trabalhadores transfronteiriços, utilizam o francês regularmente, o que torna o idioma um dos mais presentes no cotidiano luxemburguês.
Ainda assim, a presença formal da língua vem diminuindo, sobretudo nas escolas e na administração pública, onde o luxemburguês tem ganhado força política e simbólica.
A ASTI reconhece a importância da valorização do luxemburguês, mas alerta para os riscos de um desequilíbrio linguístico.
“Um multilinguismo saudável é essencial para a convivência social. Quando uma língua é depreciada ou colocada em oposição às outras, toda a coesão social é ameaçada”, afirma o documento.
Francês como ferramenta de integração
O estudo destaca que o francês sempre teve um papel integrador no país, é a língua mais usada entre estrangeiros e facilita o acesso à educação, à cultura e ao mercado de trabalho. Para milhares de imigrantes, sobretudo oriundos da França, Bélgica e Portugal, o domínio do francês é o que permite a participação ativa na sociedade luxemburguesa.
“Preservar o francês é também preservar a possibilidade de inclusão”, defende a ASTI. “Sem ele, muitos residentes correm o risco de se verem excluídos da vida pública e cívica.”
A associação também critica a tendência de associar o francês a elites ou à imigração, o que, segundo o relatório, reforça divisões simbólicas entre grupos de cidadãos e fragiliza o tecido social.
Chamado à ação: governo, escolas e sociedade civil
Na sua publicação, a ASTI faz um apelo direto às autoridades luxemburguesas e às instituições de ensino, pedindo ações concretas para promover o francês e fortalecer o trilinguismo.
Entre as sugestões estão:
- Reflexão sobre o currículo escolar, com equilíbrio entre as três línguas;
- Campanhas públicas de valorização do multilinguismo;
- Incentivos culturais e educacionais voltados à língua francesa;
- Apoio a programas comunitários bilíngues e ao jornalismo francófono.
“Preservar o francês, assim como o luxemburguês e o alemão, é preservar um multilinguismo de qualidade, essencial para a coesão social e para a democracia”, resume a associação.
Um debate antigo, agora reacendido
A questão linguística no Luxemburgo não é nova. Historicamente, o país equilibra influências francófonas e germanófonas, com o luxemburguês reconhecido como língua nacional desde 1984.
Nos últimos anos, porém, o crescimento da imigração e a diversificação cultural reacenderam a discussão sobre qual língua deve ser prioritária — e até que ponto o bilinguismo ou trilinguismo é sustentável no cotidiano.
O francês domina em tribunais, restaurantes, comércio e serviços públicos, mas o alemão é amplamente usado na imprensa e em parte da administração. Já o luxemburguês, cada vez mais associado à identidade nacional, tem ganhado destaque no ensino e na política.
O risco do desequilíbrio linguístico
Para a ASTI, o que está em jogo não é apenas a preferência por uma língua, mas a capacidade da sociedade luxemburguesa de manter seu modelo de integração.
O desaparecimento gradual de um dos idiomas oficiais pode comprometer o funcionamento de instituições e a inclusão de milhares de trabalhadores imigrantes, que representam quase metade da população ativa do país.
“O multilinguismo luxemburguês é um patrimônio. Enfraquecer uma das suas colunas é fragilizar toda a estrutura”, diz a associação no relatório.
O que pode mudar a partir do alerta
A publicação da ASTI gerou repercussão imediata nos meios acadêmicos e políticos. Universidades e escolas bilíngues do país manifestaram apoio ao estudo, enquanto o Ministério da Educação prometeu abrir uma consulta pública sobre a política linguística nacional.
O relatório completo, disponível em francês no site da associação, será apresentado oficialmente em conferência no início de novembro, com a presença de linguistas, educadores e representantes do governo.