A Universidade de Coimbra articulou um debate sobre a morte nesta quarta-feira (17), ao promover o colóquio Falemos da Morte, uma iniciativa que propõe uma reflexão sobre o envelhecimento, o ato da morte em si e a ausência de políticas públicas voltadas à finitude da vida em Portugal.
O encontro aconteceu na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC) e reuniu especialistas das áreas de filosofia, medicina, teologia, enfermagem, cuidados paliativos e medicina legal.
A iniciativa foi do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, por meio do Laboratório de Racionalidade e Ética Aplicada.
Segundo João Emanuel Diogo, investigador em Filosofia e um dos organizadores do evento, a proposta surgiu da necessidade de pensar um tema universal que permanece às margens no debate público.
“Numa sociedade cada vez mais de ‘comunicação cheia’, é difícil absorver vários pontos de vista. Por isso convidámos estudiosos de diferentes áreas, para termos uma visão o mais ampla possível”, afirmou ao PÚBLICO.
Morte, envelhecimento e sentido da vida
O colóquio propôs debates que vão da antropologia à medicina forense, passando por temas sensíveis como suicídio, cuidados paliativos pediátricos, eutanásia, espiritualidade e identidade.
Entre as comunicações, estão Reprodução e morte: coordenadas antropológicas e Morte e salvação, com Diogo Ferrer e Teresa Toldy.
Outras sessões exploram reflexões como Pensar o impensável na iminência da morte, Geografia(s) da Morte, Morrer por Dentro — sobre suicídio — e A autópsia como narradora da vida, com Duarte Nuno Vieira, referência internacional em medicina legal.
Para os organizadores, a diversidade de abordagens é essencial para compreender a morte não apenas como um evento biológico, mas como uma experiência social, cultural e política.
Crítica à ausência de políticas públicas
Durante o encontro, também foi feita uma crítica direta à falta de políticas públicas em Portugal voltadas ao envelhecimento e ao fim da vida.
João Emanuel Diogo destacou que, embora o país seja um dos mais envelhecidos da Europa, o tema permanece fora das prioridades governamentais.
“Temos incentivos para os jovens, mas pouca preocupação com a velhice e a morte”, afirma.
Ele cita como exemplo a existência de mais de cem camas sociais ocupadas no Hospital de São João, no Porto, por pessoas que não têm para onde ir, além da carência de cuidados paliativos e de profissionais especializados em demência nos lares.
O investigador também chama atenção para as desigualdades territoriais no acompanhamento da velhice. “As oportunidades no meio urbano e no meio rural não são equivalentes”, observa.
Envelhecer não é um erro
Uma das comunicações mais aguardadas é a de Irma Brito, vice-presidente do Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para a Prática e Investigação em Enfermagem. Em Adiar o tempo de morrer, ela questiona a obsessão contemporânea em prolongar a vida a qualquer custo.
“O desafio não está em desejar viver com saúde e autonomia, mas em perceber que o envelhecimento não é um erro a corrigir”, defende. Para Brito, a negação da velhice impede a valorização da experiência, da sabedoria e da resiliência adquiridas com o tempo. “A questão essencial não é quantos anos se vive, mas como se vive enquanto se envelhece.”
Entrada livre e apelo à reflexão coletiva
O colóquio Falemos da Morte ocorreu no Anfiteatro III da FLUC, com entrada livre.
Para os organizadores, o evento foi um convite não apenas à academia, mas à sociedade como um todo, para enfrentar um tema inevitável que continua a ser evitado no debate político e social.
Ao promover esse espaço de diálogo, a Universidade de Coimbra debateu sobre a morte e lançou um apelo para que o Estado português também reflita, de forma estruturada, sobre como envelhecemos e como morremos.