Fim da “manifestação de interesse” muda o jogo
O principal motor da atual onda de notificações é o encerramento do mecanismo da manifestação de interesse, que durante anos permitiu a regularização de imigrantes já inseridos no mercado de trabalho. Com o fim do modelo, dezenas de milhares de pedidos foram reavaliados ou simplesmente arquivados.
O resultado foi imediato: cerca de 34 mil estrangeiros passaram a ser notificados para deixar Portugal, incluindo mais de cinco mil brasileiros. Os comunicados dão prazo para saída voluntária, antes da adoção de medidas coercivas.
De país permissivo a vitrine de controle migratório
Durante a última década, Portugal construiu a imagem de um dos países mais abertos à imigração na Europa, com baixos índices de expulsão e políticas de integração elogiadas por organismos internacionais. Em números absolutos, continuou longe de França, Alemanha ou Espanha no volume de deportações.
O que muda agora é a estratégia política. O governo de centro-direita, pressionado pelo avanço da ultradireita e pelo colapso do sistema migratório, passou a usar as notificações como instrumento de sinalização: mostrar controle, responder ao discurso anti-imigração e reduzir o passivo administrativo acumulado.
Brasileiros entre os mais afetados
Maior comunidade estrangeira em Portugal, os brasileiros aparecem de forma expressiva entre os notificados. Muitos alegam ter contribuído por anos para a economia portuguesa, pagando impostos e trabalhando em setores-chave como turismo, construção civil e serviços.
Advogados e associações de imigrantes alertam para o risco de injustiças, já que parte dos processos travados decorre da própria lentidão do Estado na análise de documentos. Há também temor de que notificações administrativas sejam confundidas, no debate público, com expulsões efetivas.
Expulsão não é automática
Especialistas ressaltam que notificação de saída não equivale a deportação. O procedimento abre espaço para recursos, regularização por outras vias ou saída voluntária. Ainda assim, o volume elevado cria um clima de insegurança jurídica e social, especialmente entre famílias já estabelecidas no país.
Novo normal migratório
O endurecimento sinaliza um novo capítulo da política migratória portuguesa: menos tolerância, mais controle e maior alinhamento com a agenda restritiva que avança em vários países europeus. Mesmo sem liderar deportações, Portugal passa a ocupar o centro do debate sobre imigração no continente, agora não mais como exceção, mas como espelho de uma Europa em retração.
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