Trabalhar em Portugal: entenda os tipos de contrato e como garantir seus direitos trabalhistas

A legislação trabalhista portuguesa difere bastante da brasileira, e compreender essas regras é obrigatório para quem pretende trabalhar em Portugal. O país utiliza modelos de contrato como o “sem termo”, o “a termo certo” e o “a termo incerto”, além do sistema de recibos verdes, semelhante ao MEI no Brasil. Cada tipo garante direitos e deveres distintos, e não conhecê-los pode resultar na perda de benefícios trabalhistas.

Para os brasileiros que decidem trabalhar em Portugal, uma das primeiras surpresas é a ausência da tradicional carteira de trabalho. Nenhum empregador português exige o documento, mas isso não significa que o trabalhador fique sem registro.

Em Portugal, toda atividade laboral formal deve estar vinculada à Segurança Social, que equivale à Previdência Social brasileira. O sistema permite consultar as empresas onde o profissional atuou, o tempo de serviço e a evolução salarial.

Segundo o advogado português David Silva, o ponto mais importante é compreender o tipo de contrato assinado. “Há o contrato sem termo, o contrato a termo com prazo determinado e o contrato a termo incerto. Cada um tem implicações diferentes para os direitos do trabalhador”, explica.

Contratos de trabalho: o que muda em cada modelo

De acordo com a legislação portuguesa, existem três tipos principais de contrato:

  1. Contrato sem termo: equivalente ao contrato de trabalho com carteira assinada no Brasil. Não há prazo final e o trabalhador é considerado efetivo desde o início;
  2. Contrato a termo certo: tem um prazo definido, geralmente de até um ano, podendo ser renovado uma vez. Se ultrapassar dois anos, o funcionário passa automaticamente a ser efetivo;
  3. Contrato a termo incerto: é firmado para tarefas específicas, como em obras de construção. Não tem data de término, mas dura até a conclusão do serviço, com limite máximo de quatro anos.

Silva explica que esse último é comum em setores como engenharia e hotelaria. “É o contrato típico usado para cobrir projetos temporários. Após quatro anos, o trabalhador deve ser efetivado”, completa.

Período de experiência e garantias salariais

Todos os contratos em Portugal incluem um período de experiência, durante o qual o empregador pode encerrar o vínculo sem pagar indenização. O prazo varia conforme o tipo de contrato:

  • 30 dias para contratos a termo (com ou sem prazo);
  • 90 dias para contratos sem termo;
  • 180 dias em cargos de direção ou elevada responsabilidade.

Mesmo assim, o trabalhador tem direito a 13º e 14º salários proporcionais ao tempo trabalhado, chamados de subsídio de Natal e férias, respectivamente.

Outra diferença importante é o direito a férias. Em Portugal, o trabalhador tem 22 dias úteis por ano, enquanto no Brasil são 30 dias corridos. É comum que os portugueses tirem um ou dois dias de folga em torno de feriados para prolongar o descanso.

Sem contrato formal: o que fazer

Segundo a advogada Catarina Zuccaro, o fato de um trabalhador não ter assinado contrato não significa que ele não possua direitos. “Se a pessoa já trabalha há mais de três meses, mesmo sem contrato, passa a ser considerada efetiva por lei”, explica.

Nesses casos, se for demitido sem justa causa, o trabalhador deve recorrer à Justiça do Trabalho para exigir a indenização. “Se não for ao tribunal, perderá os direitos que a lei garante”, alerta Catarina.

O advogado Filipe Lamelas ressalta que muitos empregadores contratam imigrantes sem documentos justamente para evitar encargos trabalhistas. “É papel da Inspeção do Trabalho fiscalizar e corrigir essas distorções”, afirma.

Recibos verdes: o “MEI português”

Outro modelo comum para quem vai trabalhar em Portugal é o sistema dos recibos verdes, uma forma de trabalho independente. Ele funciona como o Microempreendedor Individual (MEI) no Brasil e permite prestar serviços a várias empresas sem vínculo empregatício.

Porém, há certas desvantagens. “Quem trabalha por recibos verdes não tem seguro obrigatório contra acidentes. Se sofrer uma queimadura em um restaurante, por exemplo, não recebe indenização nem salário durante o afastamento”, explica Catarina.

Ela ressalta que o modelo deve ser usado apenas por profissionais liberais, como advogados e consultores, e não por empregados fixos. “Se a pessoa tem horário fixo ou chefe direto, isso já configura vínculo trabalhista, mesmo com recibo verde”, afirma.

Agenda para o Trabalho Digno: combate à precarização

Em maio de 2023, o governo português lançou a Agenda para o Trabalho Digno, uma reforma voltada para coibir abusos e garantir mais proteção aos trabalhadores.

Entre as principais medidas está o combate aos falsos recibos verdes — casos em que o trabalhador é obrigado a atuar como autônomo, mesmo cumprindo horários e ordens da empresa.

A nova legislação determina que, se mais de 80% da renda de um profissional vier de uma única entidade empregadora, ele deve ser considerado empregado formal. Nesse caso, a empresa passa a ser obrigada a pagar todos os encargos, como férias, 13º, contribuições à Segurança Social e multa administrativa.

“A reforma melhorou muito a proteção ao trabalhador e combate a exploração de imigrantes. Agora, a empresa que usa o recibo verde de forma irregular é obrigada a reconhecer o vínculo e pagar os direitos”, destaca Catarina Zuccaro.

Conhecer a lei é a melhor proteção

Comparando as legislações, Catarina avalia que a lei trabalhista brasileira é mais protetiva que a portuguesa. “Portugal ainda não tem um código de trabalho tão humanizado, por isso é fundamental conhecer as regras antes de assinar um contrato”, afirma.

Saber identificar o tipo de contrato, exigir registro na Segurança Social e recusar vínculos falsamente independentes são passos essenciais para garantir os direitos de quem escolheu trabalhar em Portugal.

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