Portugal passou a contar com um novo ator no debate sobre políticas públicas e imigração.
Criado por dois brasileiros radicados em Lisboa, o Instituto UM do Paradoxo Aplicado se apresenta como o primeiro think-and-do tank do país, um modelo que vai além da produção de estudos e propõe a aplicação prática de soluções para problemas estruturais da sociedade.
À frente do projeto estão Arielle Sensi e Heitor Cavalcanti de Albuquerque, ambos naturais do Rio de Janeiro e amigos desde a infância.
Depois de anos seguindo trajetórias profissionais distintas, os dois se reencontraram em Lisboa e decidiram transformar ideias em comuns numa iniciativa de impacto social.
Do reencontro à criação do Instituto UM
Formada em design, Arielle construiu carreira no Brasil atuando em instituições como a Fundação Getúlio Vargas (FGV), com foco em visualização de dados, transparência orçamentária e políticas públicas.
Já em Portugal, integrou o time de tecnologia da Worten e participou da reformulação do site da Segurança Social, experiência que lhe permitiu conhecer de perto as fragilidades da administração pública portuguesa.
Heitor, por sua vez, tem histórico de envolvimento com a comunidade imigrante e chegou a estudar Direito na Universidade de Lisboa. Ao longo da vida, mudou-se diversas vezes até decidir fixar residência definitiva na capital portuguesa, onde hoje também vivem seus pais.
O reencontro entre os dois catalisou uma ideia que Arielle já amadurecia: criar um instituto diferente dos tradicionais think tanks.
Assim nasceu o Instituto UM, fundado com recursos próprios dos sócios.
O que é um think-and-do tank
Segundo os fundadores, o Instituto UM aposta em uma abordagem híbrida.
“Queremos unir o conhecimento da academia, da sociedade civil, do mercado e do governo para desenvolver soluções aplicáveis, com foco em políticas públicas de longo prazo”, explica Arielle.
A principal diferença em relação aos think tanks tradicionais está na execução prática. Além de pesquisa e análise de dados, o instituto desenvolve produtos, serviços e estratégias que possam ser implementados diretamente, especialmente na área de serviços públicos.
A tecnologia será uma das bases do trabalho, tanto para garantir sustentabilidade financeira quanto para apoiar projetos de interesse público, como melhorias em plataformas digitais, cibersegurança e transparência de dados.
Imigração como prioridade
A imigração surge como um dos eixos centrais da atuação do Instituto UM.
Para os fundadores, o debate atual em Portugal tem sido marcado por simplificações e discursos que ignoram a complexidade do fenômeno migratório.
“Existe uma narrativa crescente de que o imigrante é um problema, quando, na realidade, ele é parte da solução, inclusive para a sustentabilidade da Segurança Social”, afirma Heitor.
Segundo ele, o aumento da xenofobia e a falta de diálogo são sintomas de políticas fragmentadas e pouco integradas.
Arielle compartilha da visão. “Não dá para resolver problemas complexos com soluções isoladas. É preciso escuta, compreensão e análise sistêmica. Caso contrário, só se transfere a raiva de um lado para outro”, avalia.
Plataforma “Fica Imigrante”
O primeiro projeto público do Instituto UM em Portugal será a plataforma “Fica Imigrante”, que pretende reunir dados, informações e narrativas sobre a importância da imigração e da integração no país.
A iniciativa nasce da atualização de um antigo guia do imigrante criado por Heitor em 2018, mas ganha agora um formato digital, dinâmico e mais ambicioso.
A ideia surgiu a partir de encontros com imigrantes no LAB Imigrante, realizado semanalmente na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa.
O lançamento oficial do projeto está previsto para 18 de dezembro, Dia Internacional do Migrante.
Equipe multidisciplinar e planos futuros
Atualmente, o Instituto UM conta com uma equipe fixa de dez profissionais de áreas como antropologia, tecnologia, direito, sociologia, ciência de dados e programação.
A proposta é ampliar o time conforme o avanço dos projetos, sempre com abordagem interdisciplinar.
Apesar do desafio, os fundadores demonstram confiança. “Há inovação sistêmica sendo feita em vários países da Europa, mas Portugal ainda explora pouco esse caminho”, afirma Arielle.
Para Heitor, o instituto nasce de um inconformismo coletivo: “As pessoas estão sofrendo, portugueses e imigrantes. Esse descontentamento foi o que me motivou a sair do meu emprego e tentar fazer algo concreto pela sociedade”.
Com o Instituto UM, os dois brasileiros apostam que pensar e agir, ao mesmo tempo, pode ser o primeiro passo para transformar problemas crônicos em soluções duradouras.