Imigrantes em situação de vulnerabilidade eram capturados por um esquema com GNR e PSP que prometia trabalho, alojamento e salário em Portugal, mas, ao chegarem ao país, descobriam que tudo era mentira.
A Polícia Judiciária desmantelou o grupo nesta semana e deteve dez militares da GNR e um agente da PSP, todos suspeitos de integrar uma rede violenta que explorou centenas de pessoas do sul da Ásia, Timor-Leste e países africanos.
Segundo o Ministério Público, os crimes investigados incluem tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal, corrupção ativa e passiva e abuso de poder. As vítimas eram alojadas em casas precárias e obrigadas a trabalhar até a exaustão, muitas vezes sem receber nada. Em vários casos, chegaram a pedir esmolas nas ruas para ter o que comer.
Ameaças, coação e clima de terror
De acordo com fontes ligadas à investigação, os agentes de autoridade atuavam como braço armado da rede, garantindo transporte dos imigrantes e impondo medo e obediência. A polícia relata que as vítimas eram submetidas a ameaças físicas e psicológicas, num “clima de terror” que as impedia de denunciar a situação.
O MP afirma que os suspeitos diziam às vítimas que procurar a polícia seria inútil, reforçando o ciclo de exploração.
Casas superlotadas e empresas de fachada
As vítimas eram colocadas em alojamentos improvisados e sobrelotados. Empresários envolvidos no esquema criavam empresas de fachada para simular contratos de trabalho, enquanto praticavam fraude fiscal e branqueamento de capitais.
Ao todo, a operação cumpriu 50 mandados de busca e 17 de detenção em cidades como Beja, Portalegre, Figueira da Foz e Porto.
Um padrão que se repete
O caso se soma a outros episódios recentes envolvendo corrupção e exploração de imigrantes por funcionários públicos. Em novembro, duas funcionárias de um centro de saúde foram detidas por inscrever ilegalmente milhares de imigrantes no SNS.
Antes disso, 13 pessoas, incluindo uma técnica superior do MNE,haviam sido presas por fraude em processos de imigração.
Casos de violência envolvendo agentes também vieram à tona, como o de Vila Nova de Milfontes, onde quatro militares da GNR foram condenados por humilhar e torturar imigrantes do sul da Ásia.
Corrupção e vulnerabilidade: uma combinação perigosa
Especialistas lembram que a fragilidade documental e social torna imigrantes alvo fácil de corrupção e tráfico humano.
Pesquisas citadas no estudo O Nexo Corrupção–Migração apontam que a ausência de proteção estatal e a presença de corrupção institucional criam o ambiente perfeito para abusos sistemáticos.
O relatório também destaca que, muitas vezes, imigrantes são vistos como potenciais corruptores quando, na prática, são sobretudo vítimas de sistemas abusivos.
Respostas e medidas de prevenção
Após casos de grande repercussão, como o de Vila Nova de Milfontes, o governo implementou um Plano de Prevenção de Discriminação nas Forças de Segurança. Sessões de formação têm ocorrido em várias cidades, mas ainda de forma limitada.
Segundo a IGAI, foram realizadas apenas dez ações até agora, com mais duas previstas para este ano, ainda longe de abranger o país inteiro.